Então

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Árvores e pessoas




Xico Graziano

Quem descia a Consolação, na semana passada, rumo ao centro, na capital paulista, recebia uma dádiva plantada no canteiro central da avenida. Vestida de amarelo, ela se orgulhava da sua beleza. Ainda jovem, aquela Tabepuia venceria fácil um concurso de beleza. De árvores! Os ipês floridos nas ruas da cidade de São Paulo esbanjaram alegria nesses dias, enchendo nossos olhos, e não apenas por aqui. Árvore brasileira típica, seus ancestrais se espalham por quase todo o País. Presentes nos campos e plantados nas cidades, os ipês derramam alhures suas lanceoladas flores, cobrindo o terreno qual tapete a enfeitar o chão. Sua exuberância na floração advém da condição caducifólia, quer dizer, espécie de planta que perde as folhas anualmente, no período frio, descobrindo assim seus botões florais. Tal propriedade botânica se acentua naqueles espécimes que vivem nas regiões subtropicais, onde o inverno é mais acentuado. Quando vem a florada, os ramos desaparecem sob a roupa tingida das árvores. Existem várias espécies de ipês. Todas antigamente ficaram famosas por sua madeira dura. E isso, desgraçadamente, tornou-a uma árvore sempre perseguida pelo afiado machado. Fazenda garbosa, daquela época, ostentava suas construções com o cerne da imponente árvore, na varanda alta, no assoalho, na tora do curral. Garantia de longevidade. Sucesso mais recente fez o ipê roxo, também chamado piúva, cuja casca virou remédio alternativo. Nos anos 1970 surgiu uma febre de chá de ipê roxo para combater doenças, quase aniquilando os exemplares da árvore dispostos por aí. E não era crença à toa. O professor Walter Accorsi, pioneiro no estudo medicinal das plantas, demonstrou na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, que realmente havia fundamento no uso da infusão para combater males estomacais, da pele, até tumores cancerosos. Fitoterapia.

Mais raro é o ipê branco, cuja efêmera florada dura apenas dois a três dias, bem menos que a dos seus primos amarelo e roxo. Já o ipê rosa, rápido no crescimento e frondoso na copa, com folhas grandes, ganha destaque crescente na arborização urbana. Lá na roça, os agricultores dizem que existe ordem na chegada da floração dos ipês. Mas com os plantios urbanos seus matizes acabaram se misturando. E quanto mais frio e seco for o inverno, mais intensa será a florada. Como neste ano.

Hoje, 21 de setembro, comemora-se o Dia da Árvore. A data nacional foi instituída por decreto de 1965, época militar. Na verdade, a norma estabelece a "Festa Anual das Árvores", variando sua celebração entre os Estados brasileiros. No Norte-Nordeste, as comemorações devem ser realizadas na última semana de março; no restante do País, iniciam-se em 21 de setembro. Coisas da lei.

As crianças, estimuladas na escola, gostam de festejar a data das árvores. Milhares de plantios hoje se realizam, sementinhas viram presentes, alunos fazem redações, crianças desenham raízes, caules e folhas. Ações de educação ambiental conscientizam as crianças sobre o valor da natureza. Parabéns às professoras e aos professores.

Pena que, geralmente, passa o Dia da Árvore e tudo volta ao normal. Nem sempre as próprias arvorezinhas plantadas são regadas, secando ao sol da primavera, ou cuidadas, virando comida das terríveis formigas saúvas. É triste observar as árvores nas ruas, ainda pequenas, tendo de ser confinadas numa prisão quadrada, um cercado necessário para evitar que pessoas inadvertidas lhes arranquem um naco de seus frágeis galhos.

Eu penso que todo dia deveria ser dia das árvores. Na sociedade ecológica que se impõe para que a civilização prospere, as árvores serão reverenciadas cotidianamente. Por causa do aquecimento do planeta, suas sombras frescas serão crescentemente apreciadas contra o calor do asfalto. E, certamente, os postes e seus fios, que hoje exigem a mutilação constante das árvores para lhes perpassarem a copa, perderão a batalha contra elas. Os passarinhos vão agradecer.

Em Tatuí, município do interior paulista, uma ideia genial vai fazer história. Lá lançaram o concurso de beleza das árvores. Seus moradores devem escolher o mais belo entre os espécimes que por ali se enraízam. Não precisa ser um ipê. Os jacarandás farão marketing de seus cachos azuis; os flamboyants, de sua miscelânea vermelha e amarela. Enormes jatobás, mesmo sem vistosas flores, também querem participar da disputa. Até os menores resedás e murtas vão entrar nessa inusitada disputa ambiental.

O Dia da Árvore estimula pensar no coletivo. No semiárido nordestino e em pedaços do cerrado brasileiro, o desmatamento anda causando aridez, provocando a erosão do solo, empobrecendo a economia. Processos de desertificação avançam, lentos e profundos, anunciando o perigo ecológico.

Colapso, magnífico livro de Jared Diamond, mostra como certas sociedades do passado pagaram caro o preço da devastação florestal. Na Ilha de Páscoa, por exemplo, aquela que ostenta grandes e inexplicáveis estátuas de pedra perdidas na paisagem desolada, a supressão total das árvores levou à extinção dos humanos. Uma trágica metáfora do futuro.


A História mostra que cuidar das árvores significa proteger a vida das pessoas.

P. S.: A beleza e a distribuição abrangente pelo território nacional levaram Jânio Quadros a instituir, em 1961, o ipê amarelo como a "flor nacional". Pouca gente sabe disso. Mais famoso ficou o pau-brasil, declarado "árvore nacional" em 1978. Essas e outras informações curiosas, com conhecimento técnico, você encontra em meu Almanaque do Campo, livro que autografo hoje à noite na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Espero você lá!

fonte:O Estado de S.Paulo

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