Então

sábado, 17 de dezembro de 2011

Morre a cantora Cesária Évora, aos 70 anos




Morreu na manhã deste sábado (17) a cantora cabo-verdiana Cesária Évora, aos 70 anos, no hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, Cabo Verde. A notícia foi confirmada pela agência Lusa. A cantora estava internada desde sexta-feira e morreu por "insuficiência cardiorrespiratória aguda e tensão cardíaca elevada."


Em setembro, a cantora sofreu um AVC (acidente vascular cerebral), uma semana depois de anunciar que estava encerrando sua carreira por conta de problemas de saúde.
Em 2004, a cantora ganhou um prêmio Grammy de melhor álbum de world music contemporânea.
Vida e obra
Conhecida como "Diva dos Pés Descalços", Cesária era considerada como a melhor intérprete da "morna", a música folclórica típica de Cabo Verde. "Nossa música é muitas coisas. Alguns dizem que ela é como o blues ou o jazz. Outros dizem que ela é como a música brasileira, ou a africana, mas ninguém sabe realmente. Nem mesmo os mais velhos", disse Cesária em entrevista à Associated Press em 2000.
As canções dela tinham inspiração na amarga história da artista - que perdeu o pai ainda criança - e o sofrimento da população de seu país. Ela se apresentou algumas vezes e no Brasil e, em 2008, abriu a Virada Cultural, em São Paulo (SP).
A cantora sofria há vários anos de diversos problemas e chegou a ser submetida a sérias operações, incluindo uma cirurgia cardíaca em maio de 2010. "Seus novos problemas de saúde acontecem depois de várias operações cirúrgicas a que foi submetida nos últimos anos, entre elas uma operação de coração aberto", disse a gravadora na época do anúncio do encerramento da carreira.
"Não tenho forças, não tenho energia. Gostaria que dissessem aos meus admiradores: sinto muito, mas agora preciso descansar. Lamento infinitamente ter que me ausentar devido à doença, gostaria de dar ainda mais prazer aos que me seguiram durante tanto tempo", disse Évora ao jornal francês "Le Monde" no dia 23 de outubro, após o afastamento dos palcos.
Uol (Com agências internacionais)




sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Se eu fosse eu - Clarice Lispector





Se eu fosse eu


Clarice Lispector 


Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR. 
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser LOCOMOVIDA do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida. 
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei. 
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro. 
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. 
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos emfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Mario Benedetti





Hagamos un trato

Compañera,
usted sabe
que puede contar conmigo,
no hasta dos ni hasta diez
sino contar conmigo.

Si algunas veces
advierte
que la miro a los ojos,
y una veta de amor
reconoce en los míos,
no alerte sus fusiles
ni piense que deliro;
a pesar de la veta,
o tal vez porque existe,
usted puede contar
conmigo.

Si otras veces
me encuentra
huraño sin motivo,
no piense que es flojera
igual puede contar conmigo.

Pero hagamos un trato:
yo quisiera contar con usted,
es tan lindo
saber que usted existe,
uno se siente vivo;
y cuando digo esto
quiero decir contar
aunque sea hasta dos,
aunque sea hasta cinco.

No ya para que acuda
presurosa en mi auxilio,
sino para saber
a ciencia cierta
que usted sabe que puede
contar conmigo.


Táctica y estrategia

Mi táctica es
mirarte
aprender como sos
quererte como sos.

Mi táctica es
hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible.

Mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos.

Mi táctica es
ser franco
y saber que sos franca
y que no nos vendamos
simulacros
para que entre los dos

no haya telón
ni abismos.

Mi estrategia es
en cambio
más profunda y más
simple.

Mi estrategia es
que un día cualquiera
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
por fin me necesites.



música del Cirque du solei




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

L de Lá, NOEMI JAFFE






Noemi Jaffe*
Minha mãe, que é húngara, quando fala comigo ao telefone e diz que vem até minha casa, fala assim: “Estou indo pra lá”. Ela, no Brasil há 60 anos, não conseguiu aprender a especificidade do termo “aí”, o que a faria dizer: “Estou indo aí”. Aí é o aqui do outro: um advérbio muito sofisticado e bem brasileiro, de difícil apreensão por um falante não nativo. Portadores do aqui do eu e do aqui do outro, para nós o “lá” fica reservado para usos e significados que considero, de forma chauvinista, mas amplos e poéticos do que, por exemplo, o there ou o là do francês, que estranhamente também é “aqui”. Ao lá, em português, dispensado de ser o aqui do outro, ficou reservada uma distância que é, e ao mesmo tempo não é, indicativa. Lá pode ser um lugar determinado, mas também é, simultaneamente e sempre, um lugar incerto, todo ou nenhum lugar, uma distância física e imaginária, um lugar solto e sozinho no espaço e também no tempo. Afinal, se lá não fosse também uma indicação de tempo, por que dizemos “até lá” referindo-nos a uma data? Porque  é, misteriosamente, um lugar no espaço e no tempo. É ─ para onde as coisas vão e de onde as coisas vêm, e ao dizer “até lá” é como se pudéssemos finalmente, como promessa e como cumprimento, por uma vez, alcançá-las. Quando chega o momento de cumprir o “até lá”, quando aquele  vira agora e aqui, estranhamente o permanece intacto, uma fonte inexaurível que não cessa de se distanciar. Se não fosse assim, por que então, em vez de simplesmente dizer “não sei”, dizemos muito mais enfaticamente: “Sei lá”? “Sei lá” é não sei e não quero saber. É uma declaração de que meu interesse pelo assunto está  e de lá não vai sair. Foi para ; portanto, não vai voltar. O contrário disso, entretanto, é a expressão “linda, lá vou eu”, indicando, agora sim, um desejo potente e confiante de, nesse caso, ir para . “Lá vou eu” é o enfrentamento de um desafio, é um aqui e agora carregado de , portanto mais nobre e temerário. A própria inversão da frase ─ lá vou eu, em vez de “eu vou lá” ─ já empresta nobreza e coragem ao sujeito que lá vai. É como um “seja o que Deus quiser” laico, cujo resultado é, no mínimo, engrandecedor. Quem diz e realiza a promessa do “lá vou eu” pode dizer que esteve . Gertrude Stein, enriquecendo a pobreza do inglês, pelo menos nesse sentido, diz que não ficaria nos Estados Unidos,  porque “there is no there there”. É verdade. O inglês, forçado ao pragmatismo, perdeu o sentido longínquo e incognoscível de um there maciço, inexpugnável. There se tornou simplesmente o contrário de here, deixando de compreender a beleza de uma expressão como there is, para querer dizer somente “há”. Em português, felizmente, além do “há”, também mantivemos o “lá está”. Penso que uma tradução totalmente não literal, mas de alguma forma fiel a “there is no there there”, poderia ser “lá lá lá”, não só porque ela mantém os três “lás”, mas principalemte porque ela diz, de forma bem brasileira, que aqui ainda há . Talvez seja porque  é também uma nota musical. Sempre me lembro da tradução da canção do filme A noviça rebelde, em que ela ensinava aos filhos do sr. Von Trapp as notas musicais. Para o lá, em português, a letra dizia: “Lá é bem longe daqui”. Em inglês é “a note to follow so”. Quero que lá seja para sempre bem longe daqui e que fique mantido naquele lugar que está perfeitamente traduzido na piada dos dois caipiras, que veem pela terceira vez um elefante voando bem alto no céu, em direção ao leste, e então um deles diz: “Acho que o ninho deles é pra lá”.
*Noemi Jaffe é escritora, professora de literatura e crítica literária. Escreveu Todas as coisas pequenas (Hedra, 2005), Do princípio às criaturas (USP, 2008), Folha explica Macunaíma (Publifolha, 2001), entre outros. Mantém o blog Quando nada está acontecendo.
TEXTO PUBLICADO NA REVISTA SERROTE DE MARÇO

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Uma revolucionária mansão no mar



Vale ver em tela inteira


Duas grifes famosas se uniram e criaram o fabuloso Why. Com formato triangular, tem 58 metros de comprimento e nada menos que 38 metros de largura na popa que farão qualquer pedacinho de mar parecer praia particular. Ao todo são 900 metros quadrados de área útil, dividos em três deques. O projeto revolucionário é resultado da união do estaleiro Wally com a famosa grife de artigos de luxo Hermès. O novo iate está orçado em 100 milhões de euros

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

De como o Brasil não resolve seus problemas





Auricélio Penteado


Há sempre duas maneiras de se resolver um problema: — a maneira acertada e a maneira do Governo. Vejamos como se resolve um problema vital para a economia brasileira, por exemplo, o caso do incremento da cultura do xuxú.


Um médico americano descobre que o xuxú contem quantidades fabulosas das vitaminas "x" e "u".

A imprensa, que não sabe bem para que servem as vitaminas "x" e "u" divulga e discute o fato. "Seleções", entre uma historia de esquilo sábio e uma passagem da vida de Houdini, publica um artigo sobre como a vitamina "x" resolveu o problema das inundações do Mississipi e o efeito da vitamina "u" na cura das verrugas. E pronto! Daí por diante, a vitamina "x" e a vitamina "u" são o assunto do dia, nas entrevistas de Hamilton Nogueira na conversa em família da Rádio Globo; nas colunas de "hiperdietética", da Helena Sangirardi, no "Cruzeiro"; no Almanaque do Eu sei Tudo; no Digesto Econômico; no Boletim Semanal da Associação Comercial; nos ônibus, no lotação, na praia, no futebol e onde quer mais que haja alguém disposto a dois dedos de prosa.

Em pouco tempo o xuxú assume as proporções de salvador do mundo, redentor de todas as mazelas, panacéia universal. A essa altura, aparece nos jornais uma noticiazinha tímida de que um médico tcheco da Missão Rockefeller, no Hawai, está empregando nos leprosários um tratamento pelo xuxú. Pouco depois, o Diário da Noite ou a Folha descobre que um farmacêutico de Itapetininga (Estado de São Paulo) há muito tempo vem curando a tuberculose com uma infusão de xuxú, arruda, guiné e mel coado.

E com essa sanção do charlatanismo, o xuxú atinge um ponto máximo de prestígio, até mesmo nos círculos científicos.

Um italiano de Osasco e um português de Jacarepaguá iniciam a cultura do xuxú em maior escala e ganham dinheiro, porque a essa altura o xuxú já está no mercado negro a um conto e quinhentos a dúzia.

Alguns meses depois Vida Doméstica publica o retrato da graciosa filhinha do Sr. Giaccomo Sparafucile, capitalista, honrado comerciante desta praça e líder do comércio varejista de xuxú. Muitos outros italianos, turcos, judeus, alemães, fascistas, nazistas, e até mesmo um ou outro brasileiro filho de italianos, também plantam xuxú, negociam com xuxú, falsificam xuxú e enriquecem, para comprar "baratas Mercury" no mercado negro, para dar gorjetas de 20 cruzeiros ao barbeiro, para comprar aqueles sapatos de três andares que se usam com terno branco de albene e para ir chupar dentes e discutir futebol nas "boites". A lavoura e o comércio do xuxú prospera de forma inesperada; o Banco do Brasil abre uma "Carteira do Xuxú", para financiamento em grande escala; a Secretaria de Agricultura de são Paulo já distribui sementes e mudas de 825 variedades de xuxú e está, no momento, enxertando o xuxú em jaqueira e experimentando hibridização com melancia para aumentar o tamanho do pomo.

O Rôla anuncia uma "Exposição do Xuxú" em Quitandinha e o I.D.O.R.T. organiza a "Semana do Xuxú" e assim se concretiza, depois do sucesso econômico, o sucesso social do xuxú. No último "Sweepstake" Sua Alteza Real, a Princesa Przinkwski, apareceu trajando um lindo "ensemble brique" com aplicações de xuxús.

Fazendeiros derrubam seus cafezais para plantar xuxusais; o Amaral inventa e patenteia logo uma máquina capaz de colher trezentas toneladas de xuxú por hora; um alemão de Santo Amaro, (ex-químico da I.G.Farben) inventa um processo de extrair Coca-Cola do xuxú; um "engenheiro" italiano "ex-técnico da Marelli" apresenta à imprensa as excelências do seu processo de fazer paralelepípedos de xuxú prensado; prevê-se que, com tal maravilha, todas as estradas do Brasil venham a ser pavimentadas com "artigo nacional" superior ao melhor concreto asfáltico. Um turco de São Bernardo consegue aproveitar a raiz do xuxú para fiação e tecelagem, com enormes vantagens sobre a seda italiana.

A essa altura o Observador Econômico já publicou 10 reportagens de 100 páginas cada uma escritas pelo Dimas, sobre a lavoura xuxuseira de São Paulo e adjacências. O xuxú entra para a casa dos milhões: - dá milhões, alimenta milhões, dá trabalho a milhões, serve para milhões de usos. Com ele se pode fabricar: - paralelepípedos, tecidos, goiabada Peixe, marmelada Colombo, geléia de uva, chapéus para senhoras, Parker 51 e até mesmo doce de xuxú. Dele se extraem, como sub-produtos: - Whisky Schenley, Paraty, Coca-Cola, Cerveja Antarctica, leite, álcool de mandioca, cafeína, teobromina, borracha sintética, óleo de caroço de algodão, azeite Bertoli, ácido sulfúrico, Maravilha de Humphreys, soda caustica, sabão Aristolino e âmbar gris.

Os ingleses tentam plantar xuxú na Birmânia, mas sem resultados; os holandeses o levam para a Indonésia, mas o clima é muito úmido; os americanos querem aclimatá-lo no Panamá, mas o clima é muito quente.

Xuxú? Só no Brasil ele medra. O sucesso do xuxú é pleno, absoluto, indiscutível, inabalável, eterno.

A esta altura o Governo intervém. Depois de muitas reuniões das "altas autoridades" e "próceres", decide-se nomear uma comissão para estudar o caso do xuxú".

Para não alongarmos demasiadamente a epopéia do xuxú, vamos omitir as reuniões dessa comissão que duraram 18 meses.

Passamos diretamente à "délivrance" que se consubstancia nas seguintes luminosas deliberações, logo aprovadas "por quem de direito".

1. - Elaboração de um Código do Xuxú.;

2. - Criação do Instituto do Xuxú;

3. - Criação do Conselho Nacional dos Sub-produtos do Xuxú, Anexos e Derivados com a sigla (é imprescindível uma sigla eufônica) C.N.S.X.A.D.

Nomeia-se para a comissão, encarregada de elaborar o Código do Xuxú, o Fulano, porque gosta muito de lidar no jardim, revelando pendores para a agricultura, o Sicrano, porque é amigo do João Daudt, e Beltrano que tem uma bonita caligrafia. A comissão do Código, que não viu jamais um xuxusal, procura, na Biblioteca Nacional a bibliografia a respeito.

Reúnem tudo quanto se escreveu sobre o xuxú, somam, elevam à quinta potência, acrescentam uns palpites do D.A.S.P., articulam, numeram os artigos e parágrafos e está pronto o Código, verdadeira maravilha de 1.200 páginas couché, impresso na Imprensa Nacional! Prevê tudo, desde a cor da gravata que deve usar o plantador de xuxú até o formulário estatístico para o I.B.G.E.!

Depois vem o decreto que cria o Instituto do Xuxú e começa assim: - "...decreta":

Art. 1. - Fica criado o Instituto do Xuxú, que será dirigido por um Presidente, 5 Vice-Presidentes, 4 Secretários-Gerais, 8 Conselheiros, 15 Diretores Assistentes e 1 Assessor Técnico.

Pargf.º 1º - O Presidente terá direito a um "pourboire" de Cr$30.000,00 mensais, automóvel (Packard ou Cadillac), diária, verba secreta, e será de livre nomeação do Presidente da República (a essa altura já se sabe quem será nomeado).

Pargf.º 2º - O Presidente formará o seu "gabinete" que será composto de:

a- 01 Chefe de Gabinete

b- 05 Oficiais de Gabinete

c- 05 Secretários Particulares

d- 10 Secretários para cada oficial de gabinete

e- 40 Sub-secretários

f- 120 Contínuos

g- 300 Sub-Contínuos.

Pargf.º 3º - Dos cinco Vice-Presidentes, um será nomeado por indicação do Joãozinho Daudt, outro por indicação do Lodi, outro por indicação do Simonsen, outro por indicação da Confederação Nacional das Associações Xuxuseiras e, finalmente, o quinto, que será representante dos consumidores de Xuxú, por livre escolha do Presidente.

Pargf.º 4º - O Presidente terá direito ao tratamento de "S. Excia. o Sr. Ministro Presidente do Instituto do Xuxú".

Pargf.º 5º - Os demais Diretores terão direito ao tratamento de Excelência e, quando referidos na 3.a pessoa, serão incluídos no rol de "altas autoridades".

Pargf.º 6º - Nos banquetes terão assento imediatamente após o Ministro da Agricultura, etc.
E seguem-se mais de 1.694 artigos regulando o pessoal, a hierarquia, as honras, os vencimentos, o tamanho dos móveis, a padronização do material, etc., até o Capítulo XXXVIII, onde se lê:
Cap. XXXVIII

FINALMENTE, DO XUXÚ

Art. 1.695 - Nenhum lavrador poderá plantar xuxú sem primeiro inscrever-se como xuxucultor no Registro de Xuxucultores do Instituto do Xuxú, pagando a taxa módica de Cr$10,00 pela inscrição.

Art. 1.696 - Os xuxucultores inscritos nos termos do art. 1695 terão direito a:

1.º - isenção de impostos federais, estaduais e municipais;

2.º - financiamento de Cr$ 30.000,00 por hectare plantado;

3.º - assistência técnica de xuxuólogos do Instituto;

4.º - transporte gratuito para toda a produção;

5.º - uma assinatura anual da revista do Instituto, intitulada "O Xuxú";

6.º - receber todas as publicações do D.I.P. e do D.A.S.P.;

7.º - uma entrada gratuita em cadeira de orquestra para o Teatro Recreio;

8.º - abatimento de 10% nas compras feitas n '"A Exposição" e no Dragão da Rua Larga, em frente ao qual fica a Light.

Art. 1.697 - Para inscrição no Registro de Xuxucultores o candidato deverá requerer ao Presidente, sobre selos de Cr$ 7,80 federal e Cr$ 0,75 de Educação e Saúde, com firma reconhecida, juntando os seguintes documentos:

a - certidão de nascimento;

b - prova de quitação com o serviço militar;

c - atestado de residência;

d - carteira de saúde;

e - folha corrida da polícia;

f - carteira de identidade;

g - certidão de casamento do avô, do pai e própria, se for casado e mais a certidão de óbito da mulher, se for viúvo; se for solteiro deverá o candidato apresentar prova de seu estado civil;

h - se for estrangeiro, apresentar Segunda via da carteira modelo 19;

i - atestado de boa conduta, passado pelo Prefeito do Município e pelo Delegado do Distrito da residência;

j - certidão negativa de impostos federais, estaduais e municipais;

k - prova de sindicalização;

l - títulos de propriedade do imóvel e certidão do respectivo registro;

m - atestados de vacina contra tifo exantemático, varíola, febre amarela, raiva, mordedura de cobra, etc...

Aqui deixamos de parte o famoso Código do Xuxú, para acompanhar a sorte de um imprudente candidato que resolveu ser xuxucultor com todos os sacramentos e vantagens da lei. Suponhamos que ele seja um lavrador de um município de São Paulo, filho de italianos. Ele se chama Pedro S. Torello e todo mundo o conhece pôr esse nome e com esse nome ele comprou as terras que cultiva e com esse nome paga os impostos. Como não sabe ler nem escrever corretamente, procura um despachante ou um advogado, para tratar dos papéis. A primeira dificuldade está em que ele foi registrado pelos pais com o nome de Pietro, mas, depois, principiou a usar, patrioticamente, o nome de Pedro. É preciso, portanto, em primeiro lugar, fazer uma justificação em juízo, com três testemunhas, para provar que Pietro é Pedro. Para isso ele necessita requerer, sobre selos, com firma reconhecida, "arranjar" as testemunhas, pagar as custas de cartório, etc., Tudo isso demora um mês e custa cerca de Cr$500,00.

Para obter o segundo documento, que é a prova de quitação com o serviço militar, ele também precisa requerer à Circunscrição do Recrutamento, com firma reconhecida, juntando certidão de cidade, retratos, etc. E isso também demora três ou quatro meses, na melhor das hipóteses, mas ainda precisa a chamada para "jurar à bandeira".

O terceiro documento, atestado de residência, também só se obtêm mediante requerimento, sobre estampilhas, com firma reconhecida e atestado de três comerciantes passados sobre estampilhas, com firma reconhecida, etc. Depois vem a carteira de saúde, que também é preciso requerer com requerimento selado, firma reconhecida, etc, etc.

E assim vai. A esta altura o candidato já gastou Cr$5.000,00 e já perdeu 60 dias de trabalho, em peregrinações entre o escritório do despachante e os guichês de protocolo. Já esperou, horas e horas, que o funcionário terminasse a discussão sobre futebol, para informar "por onde andam os papéis"...

...Só então nossa heróica vítima percebe que não é negócio ser xuxucultor e desiste do registro. Vende as terras, compra um sapato de três andares, um terno branco de albene e vai ser intermediário de xuxú, porque é mais "folgado" e dá dinheiro "pra xuxú".

Não existe Pedro, nem o Instituto do Xuxú, mas tudo isso rima muito bem com a forma como se resolvem os problemas brasileiros.

Auricélio Penteado, paulista, dotado de forte veia satírica, trocou a popularidade que certamente lhe daria o jornalismo por outras atividades mais práticas. Foi fundador do IBOPE, no Brasil, iniciando em nosso meio as sondagens de opinião pública, nos moldes do Instituto Gallup, dos Estados Unidos. Desligando-se do IBOPE, dedicou-se à publicidade. Algumas de suas sátiras contra os excessos burocráticos e a falsa tecnocracia brasileira tiveram grande repercussão, como a que apresentamos, publicada originalmente na revista "Publicidade e Negócios". Embora longa, para nossos padrões, é uma obra prima.

Extraído da "Antologia de Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1957, pág. 407. Textos selecionados por R. Magalhães Jr.

OBS: Foi mantida a grafia constante do texto original.

fonte: © Projeto Releituras

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Hino Nacional poema de Carlos Drummond de Andrade




Hino Nacional


Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
O Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.
O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas...,
Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.
Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis Jõao-Pessoas...
Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum BRasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

Carlos Drummond de Andrade


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Erato - Call Your Girlfriend




To contact the group, please use: amandaebbapetra@gmail.com

Three members from the Swedish vocal group Erato sings Call Your Girlfriend. Originally by Robyn, it is now performed by Ebba Lovisa Andersson, Amanda Wikström and Petra Brohäll.

I don't claim any copyright, nor do I represent the group. Please check out their official facebook-page for more info (in swedish): https://www.facebook.com/pages/Erato/165380920186660?sk=wall

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Saci



Saci (do tupi sa'sï, onomatopeia do pio do matinta-pereira) é um negrinho com uma só perna, de carapuça vermelha na cabeça, que lhe dá poderes miraculosos. Os elementos do saci e suas armas vêm de muitas paragens e são dos melhores tipos de convergência.
Os cronistas do Brasil colonial não o mencionam. Parece ter nascido no século XIX ou final do XVIII. É conhecido também por Matinta-pereira ou Maty.
Pode surgir como assombração ou visagem, assustando as pessoas. Às vezes torna-se mulher ou se transforma em passarinho assobiador (o saci original, também chamado matinta-pereira). Acredita-se que tenha por companheira uma velha índia ou uma negra mal-ajambrada, cujo assobio arremeda seu nome. É associado com os redemoinhos de vento, que seria uma de suas manifestações.
Amigo de fumar cachimbo, de entrançar as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, não-localizável e assombrador. Não atravessa água, assim como todos os encantados. Diverte-se criando dificuldades domésticas, apagando o fogo, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários.

Dia do Saci no Brasil, comemorado no dia 31 de outubro, a fim de promover as figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao Halloween. A data foi criada pelo governo do Brasil em 2005, de caráter nacional, elaborado pelo então líder do governo Aldo Rebelo (PCdoB – SP) e Ângela Guadagnin (PT – SP).


O Saci de Monteiro Lobato
O Saci que ilustrou a capa do inquérito de Lobato,de José  Wasth Rodrigues



A imagem atual do saci foi em boa parte definida pelo escritor Monteiro Lobato por ocasião do inquérito realizado em 1917 através do jornal O Estado de São Paulo, que recebeu o nome de “Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-Pererê”. As cartas recebidas vieram de todo o país, mas principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Os depoimentos foram selecionados e reunidos pelo escritor em livro de 294 páginas e tiragem inicial de dois mil exemplares, publicado no ano seguinte: O Sacy-Perêrê – resultado de um inquerito. Lobato apresentou aos brasileiros um mito com características ora demoníacas, ora cruéis, perpassadas por manifestações de ironia, de deboche e até mesmo laivos de bondade.
José Wasth Rodrigues, autor do desenho do Saci que ilustra a capa, optou por apresentá-lo com chifres curvos, como um demônio. Na cabeça tem o gorro vermelho, olhos também vermelhos e a boca apresentando dentes serrilhados, ponteagudos, vampirescos, numa alusão provável ao hábito do Saci de sugar o sangue dos cavalos. Sua expressão pode ser interpretada como irônica, zombeteira, e até um pouco maléfica. Tem o corpo de adulto, com uma perna só. Os dedos dos pés são apresentados abertos, mais animalescos do que humanos. Também podem ter sido apresentados dessa forma pelo hábito de andar sempre descalço e por longas caminhadas, o que deforma os dedos, engrossando-os e aumentando o espaço de um para o outro. Numa das mãos carrega uma espécie de pau, uma possível arma com que desfere bordoadas tanto em pessoas como em animais. Na outra mão, prende o costumeiro cachimbo aceso, fumegante. Ao seu redor folhas e traços que dão a impressão de movimento circular, como nos rodamoinhos, e também simbolizando o corpo em movimento.
Saci, desenho a nanquim de Monteiro Lobato


Lobato voltou ao assunto na sua obra infantil no livro O Saci, publicado pela primeira vez em 1921, no qual recriou a personagem, suavizando-a. O saci apareceu então com estatura de criança e atitudes brincalhonas, travessas. A história narra desde a chegada de Pedrinho ao sítio, para passar as férias, seu encontro e aventuras com o Saci, até o encantamento de Narizinho, convertida em pedra pela Cuca, e o seu posterior desencantamento. Todos os episódios são mesclados pelo surgir de outros mitos folclóricos, acompanhados da respectiva explicação, muitas vezes pormenorizada pelo próprio Saci, que ocupa o papel de regente principal dos acontecimentos e de herói.
O processo de suavização da imagem do Saci-Pererê é iniciado por Monteiro Lobato no desenho a nanquim de sua autoria que retrata o capetinha numa versão de criança, sem chifres, sem o porrete e com expressão observadora, desconfiada. Não tem mais aquela aparência cruel ou ameaçadora. O pitinho permanece, e os pés adquirem o formato humano.
Além de recriar a personagem, Monteiro Lobato descreve-a, servindo-se do negro velho, Tio Barnabé, personagem do Sítio do Picapau Amarelo, conhecedor dos mistérios que cercam o homem rural. Tio Barnabé assim fala do Saci:
O Saci – começou ele – é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte e atropelando quanta criatura existe... Azeda o leite, quebra a ponta das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do Saci. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O Saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.
E segue sua narrativa, comentando o poder da carapuça vermelha, do hábito do cachimbo, das mãos furadas por onde passam pequenas brasas. Falou da maldade que é feita na crina dos cavalos e do costume vampiresco de sugar o sangue dos pobres animais. Para evitar isso, usa-se colocar um “bentinho” no pescoço dos mesmos, protegendo-os. Convém explicitar que os bentinhos são escapulários que contêm gravuras de santos, pedaços de tecidos ou orações com o poder de proteção, benzidos para dar virtude.


Por fim, ensina a Pedrinho como capturar um saci:
"Arranja-se uma peneira de cruzeta e fica-se esperando um dia de vento bem forte, em que haja rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo o cuidado para o rodamoinho e zás! – joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro, porque fazer rodamoinhos é justamente a principal ocupação dos sacis neste mundo. Depois, se a peneira foi bem atirada e o saci ficou preso, é só dar um jeito de botar ele dentro de uma garrafa e arrolhar muito bem. Não esquecer de riscar uma cruzinha na rolha, porque o que prende o saci na garrafa não é a rolha e sim a cruzinha riscada nela."

fonte:Fantastipedia